O plenário do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul – CES/RS, em face das atribuições legais que conferem as Leis Federais8.080/90 e 8142/90 e a Lei Estadual 10.097/94, reunido virtualmente no dia 16 de julho de 2020, aprovou a seguinte Resolução, para que seja encaminhada e executada, senão vejamos:
CONSIDERANDO a pandemia da COVID-19 que assola o país e o mundo;
CONSIDERANDO que o Brasil, nesta data, é o segundo país do mundo com maior número de casos de contágio e óbitos, somente abaixo dos Estados Unidos que lidera a primeira posição,
CONSIDERANDO que os dados do MS mostram que a COVID-19 chegou a 5.428 (97,4%) das cidades brasileiras e os registros de mortes já atingiram a 2.551 (45,8%) municípios no país. No Rio Grande do Sul a doença já atingiu 42.239 confirmados, sendo uma incidência de 371,3/100.000 hab. Já tivemos 1.101 óbitos com uma mortalidade de 9,7/100.000 hab. e uma taxa de letalidade aparente de 2,6%. 438 municípios (88%) já tiveram a confirmação de contágio
CONSIDERANDO que o Rio Grande do Sul teve uma das maiores taxas de crescimento de casos de contágio e óbito, em virtude da flexibilização do modelo de distanciamento controlado, criado pelo governo do Estado, aproximadamente metade da população se encontra em regiões com designação de bandeira vermelha de alerta;
CONSIDERANDO que a piora da situação da saúde pública quanto ao contágio da COVID-19 já havia sido alertada pelo Conselho Estadual de Saúde, através do instrumento “ALERTA DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DO RS”, amplamente divulgado a toda sociedade gaúcha, bem como a todos os órgãos competentes, bem como mediante aprovação da Resolução CES/RS nº 03/2020 e da Recomendação nº07/2020.
CONSIDERANDO que o Food Drug Administration – FDA norte americano (Autoridade Sanitária) em 15 de junho revogou a autorização para o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, pois as mais recentes informações científicas disponíveis não permitiram considerar que as formulações orais de hidroxicloroquina e cloroquina sejam efetivas no tratamento da Covid-19, e tampouco os potenciais benefícios destes produtos superem seus riscos potenciais (seu uso está associado a arritmias cardíacas, problemas linfáticos e sanguíneos, renais e hepáticos). O também norte-americano Center for Disease Control and Prevention – CDC, do Department of Health and Human Servicesafirma que até o momento não há nenhuma droga aprovada pela autoridade sanitária (FDA) que previna ou trate a COVID-19.
CONSIDERANDO que a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA não recomenda a utilização em pacientes infectados ou como forma de prevenção à contaminação, nem tampouco a Sociedade Brasileira de Infectologia, e a Sociedade Brasileira de Imunologia.
CONSIDERANDO que o único medicamento capaz de evitar a doença são as vacinas, que ainda se encontram em fase de estudos e muito provavelmente só estejam disponíveis para toda a população no próximo ano;
CONSIDERANDO que para que um medicamento seja autorizado a tratar uma doença, ele deve passar por diversas fases de testes: Fase pré-clínica – quando são realizados vários experimentos em culturas de células (in vitro) e animais (cobaias), com estudos que avaliam os efeitos do medicamento e a sua toxicidade. Caso apresentem bons resultados nestes testes pré-clínicos é que evoluem à fase mais avançada nas pesquisas que é denominada fase clínica, quando são feitos testes em seres humanos para comprovar se o medicamento é eficaz, seguro e se seus efeitos adversos são toleráveis (ensaios clínicos controlados). Estes estudos são realizados em etapas, que compreendem a avaliação em indivíduos saudáveis, em indivíduos doentes, em adultos e gestantes, para estabelecer doses, vias de administração, segurança e eficácia. Só então o uso do medicamento estudado é autorizado para o tratamento de determinada doença.
CONSIDERANDO que os medicamentos, além de efeitos terapêuticos, podem também provocar o aparecimento de efeitos indesejáveis (leves ou graves), que podem trazer mais malefícios do que benefícios, com a sua utilização;
CONSIDERANDO que os medicamentos ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, além de vitaminas e suplementos alimentares, não apresentam evidências científicas para uso como profiláticos ou na fase assintomática ou pré-sintomática da doença;
CONSIDERANDO que no caso da cloroquina/hidroxicloroquina além da não comprovação de eficácia terapêutica constatada em estudos realizados em todo mundo, há relato de graves efeitos colaterais como arritmias cardíacas o que levou a diversas sociedades brasileiras e internacionais a recomendarem o não uso;
CONSIDERANDO que de acordo com um relatório preliminar, de um grande estudo randomizado com grupo controle (Estudo RECOVERY), coordenado pela Universidade de Oxford na Inglaterra, que avaliou várias terapias em potencial para o Covid-19, a hidroxicloroquina não teve benefício para pacientes hospitalizados.
CONSIDERANDO que a associação da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina também não apresentou benefícios terapêuticos e que a associação pode potencializar o efeito adverso sobre o coração;
CONSIDERANDO que a ivermectina, um antiparasitário, foi utilizada com sucesso in vitro em células infectadas experimentalmente, porém ainda não há comprovação de eficácia in vivo, ou seja, em seres humanos. Estão sendo realizados ensaios clínicos, única forma para determinar seu benefício e segurança para tratamento da Covid-19. Mas os estudos in vitro indicam que a dose a ser utilizada in vivo teria de ser muito maior que a utilizada atualmente como antiparasitário, o que tornaria o medicamento tóxico para o paciente;
CONSIDERANDO que a indicação de qualquer medicamento que não tenha eficácia no combate ao coronavírus servirá apenas para iludir a população de que estará protegida, colocando em risco a sua saúde e de toda a comunidade, levando ao abandono das reais formas de proteção que, até que se tenha a vacina, são o distanciamento, o uso de máscara e a higienização das mãos;
CONSIDERANDO que, de acordo com a posição da Organização Mundial da Saúde sobre o uso de medicamentos para o Covid-19, sem evidência de seu benefício, a Organização Panamericana de Saúde desaconselha o uso de ivermectina para qualquer outra finalidade além daquelas para as quais está autorizado;
CONSIDERANDO o elevado número de profissionais de saúde adoecidos pela COVID-19;
CONSIDERANDO a falta de anestésicos e sedativos, considerando a aprovação da Resolução CES/RS nº 06/2020;
CONSIDERANDO a falta de políticas de assistência na atenção básica, bem como a falta de política de assistência social para os setores mais vulneráveis e a consequente insegurança que provoca na sociedade;
CONSIDERANDO que há ampla veiculação pelas mais variadas mídias (tradicional e redes sociais) de propaganda da eficácia do tratamento precoce para COVID-19, mediante prescrição e dispensação de Cloroquina, Hidroxicloroquina e Azitromicina com:
a) declarações do Presidente da República;
b) vídeos, “lives” em redes sociais, mensagens de “médicos especialistas” defendendo o uso de medicamentos para o tratamento da COVID-19 sem comprovação científica;
c) vídeos relatando experiências pessoais de cura da doença.
CONSIDERANDO que a utilização das referidas medicações só poderiam se dar em caráter experimental, em grupos de pesquisas, mediante apresentação de pacientes voluntários e com o devido preenchimento de Termo de Consentimento, além de demais requisitos legais que tratam acerca dos tratamentos experimentais, com a devida aprovação e acompanhamento dos procedimentos pelos Comitês de Ética em Pesquisa;
CONSIDERANDO que ao gestor do Sistema Único de Saúde:
a) é vedado a utilização de recursos públicos para compra de medicações sem comprovação científica de eficácia, e ainda mais sem autorização para sua utilização off label, ou seja, em desatenção às indicações descritas na bula.
b) que assinarprotocolo ou Termo de Ajustamento de Condutaautorizando o uso de medicamentos sem comprovação de eficácia (cloroquina e hidroxicloroquina) deverá prestar todo o suporte no acompanhamento cardio-respiratório do paciente, em face das reações adversas conhecidas do seu uso;
CONSIDERANDO o art. 113 do Código de Ética Médica, que prevê ser vedado ao médico: “Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”, constituindo assim infração disciplinar a divulgação do referido tratamento para COVID-19;
CONSIDERANDO que a utilização dos medicamentos referidos como tratamento preventivo à COVID-19, sem qualquer comprovação de eficácia, somente serviria para fundamentar maior flexibilização do isolamento social, o que consequentemente levaria a uma situação de descontrole ainda maior no número de contágio e óbitos no Estado.
CONSIDERANDO que o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva, bem como, o artigo 39 veda ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas o previsto no inciso IV “IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”;
CONSIDERANDO as reações adversas que podem ocorrer à saúde dos pacientes, causando inclusive o óbito.
RESOLVE:
Art. 1. Que a Secretaria Estadual de Saúde – SES/RS se posicione contra o uso de medicamentos que não tenham sua eficácia e segurança comprovadas por meio de estudos clínicos controlados e randomizados, para profilaxia e tratamento precoce da Covid-19.
Art. 2. Denunciar ao Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Federal a fiscalização rigorosa da utilização de recursos públicos, por parte dos gestores do Sistema Único de Saúde –SUS, para compra de medicamentos que não tenham sua eficácia comprovada e autorizada pela ANVISA.
Art. 3. Que o Ministério Público Estadual examine o possível crime contra a economia popular a propaganda de medicamentos sem qualquer comprovação de eficácia no tratamento da COVID-19.
Art. 4. Que a SES/RS garanta a testagem RT-PCT dos sintomáticos e dos que com teve contatos, bem como, políticas de atenção básica e hospitalização de casos leves para evitar o agravamento e consequente intubação.
Art. 5. Que a SES/RS tome as medidas administrativas necessárias para que o Estado garanta as condições de isolamento de pessoas contaminadas que não tiverem condições de efetivo isolamento social por sua condição de vulnerabilidade.
Art. 6. Encaminhar esta Resolução para o Governador do Estado, Secretaria Estadual de Saúde – SES, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Policia Civil, Ministério da Saúde, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Policia Federal, Conselho Federal e Regional de Medicina, Conselho Federal e Regional de Farmácia, Conselho Nacional de Saúde, Conselhos Estaduais de Saúde, Conselhos Municipais de Saúde, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, Conselho Nacional e Estadual de Secretários Municipais de Saúde.
Porto Alegre, 16 de julho de 2020.
Claudio Augustin
Presidente do CES/RS