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Publicação: 17/06/2021 às 20:00

Resolução de nº 06/2021 - SISTEMA 3As

Informativo CES/RS
Informativo CES/RS

Resolução CES/RS nº 06/2021

O Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul – CES/RS, em sua reunião Plenária Ordinária virtual de 10 de junho de 2021, por meio da plataforma Webex, e no uso de suas competências e atribuições conferidas pelas Leis Federais 8.080/90 e 8142/90 e a Lei Estadual de nº 10.097/1994 e considerando o Sistema de Avisos, Alertas e Ações, regulamentado pelo Decreto Estadual nº 55.882/2021, segue a presente manifestação:

O pacto federativo constitucional estabelece que as relações intergovernamentais devem estar regidas por princípios, dentre os quais: de solidariedade, de subsidiariedade, de complementaridade e de cooperação. As ações intergovernamentais devem estar fundadas em estratégias institucionais complementares com definições inequívocas de responsabilidades e de competências governamentais, sob autoridade coordenada, e que operem com unidade na diversidade, ou seja, com ações comuns e com margens de autonomia para se lidar com particularidades.

Em situações de crises, como a da atual pandemia da Covid-19, a premência para as respostas governamentais em tempo hábil e a sua condução intergovernamental requerem a agilidade de instâncias, de processos decisórios e de dinâmicas funcionais, com meios e modos de governança cooperativa sob autoridade coordenada. No caso brasileiro compete ao governo federal a imprescindível coordenação federativa nacional, compete aos governos estaduais a coordenação intra regional e intermunicipal.

No decorrer da crise pandêmica, o governo do Rio Grande do Sul estabeleceu uma estratégia institucional (“Distanciamento Controlado”) para monitoramento de informações epidemiológicas e para a regulação do rigor de medidas protetivas e restritivas de abrangência estadual. Tratou-se de uma estratégia falha porque restringiu o referido monitoramento com indicadores insuficientes, com decorrentes deficiências para análises prospectivas de curto e médio prazo, com demora na adoção de maior rigor para medidas protetivas antecipatórias e com precipitação para a diminuição de rigor em momentos inapropriados. Em parte, tais insuficiências e deficiências decorreram em fases críticas com incrementos intensivos de contágios, de casos, de complicações e de óbitos, sendo que as taxas médias de incidência e de mortalidade por Covid-19 no Rio Grande do Sul foram piores que aquelas do país. Reiteramos o exposto no Alerta da Mesa Diretora do CES/RS sobre o “Distanciamento Controlado”, bem como a Resolução CES/RS nº 03/2020.

Após a última fase crítica da pandemia no estado (fevereiro e março de 2021) havia a expectativa que a referida estratégia institucional pudesse ser corrigida e aprimorada, entretanto, o governo estadual apresentou e implantou alternativa pior: uma nova estratégia com a manutenção do insuficiente sistema de monitoramento epidemiológico e com a abdicação da sua prerrogativa de autoridade coordenada. O sistema de monitoramento epidemiológico, embora registre indicadores estratégicos (como as razões de transmissibilidade, taxas de transmissão) e eventos sentinelas (SRAG, óbitos não hospitalares, etc.), não tem servido para protagonizar decisões imprescindíveis para a adoção de medidas antecipatórias eficazes por parte do Gabinete de Crise estadual. O novo Sistema de Alertas (“Três As”) continua pautado em análises insuficientes que tendem a subsidiar reações retardadas e, pior, que dependem de decisões governamentais fragmentadas e descoordenadas de âmbito municipal e regional, dificultando o necessário controle e bloqueio em tempo hábil em âmbitos mais abrangentes dos circuitos de transmissibilidade. Além disso, a nova sistemática de monitoramento toma como ponto de partida um degrau epidemiológico atípico, no qual, as médias móveis de incidência, letalidade e mortalidade são maiores do que aquelas ocorridas em 2020. Mesmo quando adotados em tempo hábil pelos municípios e regiões, os protocolos obrigatórios correlatos aos níveis de alertas são insuficientes para se evitar disseminações virais de escala e de escopo, principalmente em circunstância em que ainda prevalece uma baixa cobertura vacinal. A adoção e a eficácia dos denominados “protocolos variáveis” dependeria de um monitoramento georreferenciado por análise prospectiva, de uma melhor coordenação regional e de iniciativas recíprocas de fiscalização. No entanto, o governo estadual se dispõe somente a emitir alertas e atuar colateralmente em coordenações regionais.

Na nova estratégia institucional adotada tendem a persistir os problemas anteriores de monitoramento epidemiológico e a piorar os tempos de resposta efetiva em tempo hábil para o oportuno aumento de rigor de medidas restritivas e protetivas mais abrangentes e, portanto, para o melhor controle da disseminação de contágios.

Na atual circunstância, a abdicação da prerrogativa de autoridade coordenada por parte do governo estadual e a transferência fragmentar de algumas de suas imprescindíveis competências e responsabilidades tendem a ser mais arriscadas e letais.

O Sistema gera a falsa sensação de segurança à população em função da ausência de apresentação à população da real situação, restringindo o diálogo aos gestores. Diferente da inverdade exposta na mídia, assim como no modelo anterior, não houve diálogo com o controle social, nem com a sociedade civil, durante a construção do Sistema 3As.

Analisando o Decreto Estadual nº 55.882/2021, que institui o Sistema de Avisos, Alertas e Ações para fins de monitoramento, prevenção e enfrentamento à pandemia de Covid-19 no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo o território estadual e dá outras providências, destacamos que o próprio Sistema, conforme art. 1º, reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo o território estadual. Ainda, o Sistema 3As tem como embasamento, conforme art. 2º do Decreto 55.882/2021, o art. 3º da Lei 13.979/2020, que dispõe que, “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: I - isolamento; II - quarentena; III - determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos [...]”, medidas que não foram contempladas pela própria Secretaria Estadual de Saúde na Ordem de Serviço nº 2/2021 SES/RS, demonstrando a contradição existente entre o texto da OS e a intenção do Decreto no que tange à prevenção do contágio tendo em vista as normas estabelecidas para o tele trabalho.

Entre os princípios e diretrizes do Sistema, art. 3º, I, consta a prioridade à preservação da vida e à promoção da saúde pública e da dignidade da pessoa humana, em equilíbrio com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e com a necessidade de se assegurar o desenvolvimento econômico e social da população gaúcha. Destacamos que a garantia à vida é um princípio fundamental, estando em patamar superior de importância. Mais uma vez, apesar da gravidade da pandemia e do número de óbitos, setores empresariais e seus aliados têm forçado o retorno das atividades dos setores não essenciais, com o falso argumento que o emprego é mais importante que a saúde, que o isolamento resultará em um cenário pior em função de mortes decorrentes do desemprego. A falsa dicotomia saúde x economia não se sustenta em qualquer análise mais acurada. No art. 3º, III, consta o permanente monitoramento da evolução da pandemia de Covid-19 com base em dados epidemiológicos e da capacidade de atendimento do sistema de saúde. Ressaltamos que tal monitoramento deve ser utilizado como base para as ações bem como divulgado à população, conscientizando-a claramente da gravidade da pandemia por meio de informação. Ainda no art. 3º, IV, a dita observância do princípio da subsidiariedade, exime o protagonismo do Estado, imputando as responsabilidades aos municípios. Soma-se ao exposto que há destaque ao papel regional, entretanto os espaços de gestão regional possuem inúmeras fragilidades em termos de qualificação técnica, prejudicando ainda mais a proposta apresentada.

O art. 5º, ao expor que “sempre que o Sistema de Monitoramento da Pandemia de Covid-19 de que trata o art. 4º deste Decreto identificar, em face da análise das informações estratégicas em saúde, tendência de piora na situação epidemiológica ou outra situação que demande atenção no âmbito de determinada Região Covid-19, serão, conforme o caso, adotadas as seguintes medidas [...] (destaque nosso) ”. Neste ponto fica nítido o descumprimento do princípio da prevenção. O ponto inicial, a base, é o momento atual, em que temos cerca de 700 mortes/semana no RS, superlotação dos hospitais, desgaste das equipes de saúde, etc. Somente havendo piora, haverá a adoção de medidas. O ponto inicial deveria ser o pré-epidêmico. Além disso, considerando o ciclo da doença e a necessidade de celeridade das ações, as medidas previstas em si são insuficientes e tardias, permitindo a continuidade da transmissão e os consequentes impactos na saúde.

Destacamos que o Estado realiza o monitoramento dos dados, possui servidores qualificados permanentemente analisando-os, o que permitiria uma tomada de decisão em tempo hábil por parte do Estado, que opta por se eximir e repassar tanto a formulação quanto a execução da ação ao município. Ressalta-se, ainda, que os critérios para tomada de decisão, art. 5º, são imprecisos: “tendência de piora” e “tendência grave de piora”, termos sem definição e restando ausentes indicadores de referência. Não há embasamento técnico científico.

De acordo com o art. 7º, as autoridades públicas deverão realizar a fiscalização do cumprimento das medidas sanitárias previstas. Questionamos qual a estrutura que o Estado possui para promover tal fiscalização, esclarecendo que não cabe ao cidadão essa atribuição.

O art. 9º e 10 dispõe sobre protocolos gerais obrigatórios. Novamente questionamos como o Estado garantirá o cumprimento de tais protocolos, os quais, inclusive, não são seguidos pela própria SES/RS. Destacamos a visível falta de estrutura estadual para garantir as medidas estabelecidas, ausência de investimento em conscientização, ausência de investimento em EPIs e distribuição de EPIs de qualidade às pessoas, deixando a população totalmente desassistida. Essa questão é agravada pela ausência de fiscalização do atendimento aos critérios estabelecidos para funcionamento ou abertura de estabelecimentos para atendimento ao público. Além disso, há critérios ineficazes no Decreto, conforme demonstrado em estudos científicos1 . Por exemplo, é de conhecimento que o distanciamento de 4m2 entre pessoas em um ambiente fechado não impede o contágio. Novamente verifica-se a ausência de embasamento técnico científico do Sistema em análise.

Quanto às atividades essenciais estabelecidas, questionamos a essencialidade em um momento de pandemia de unidades lotéricas, atividades e exercícios físicos ministrados por profissional de Educação Física, quando realizados em espaços públicos ou em estabelecimentos prestadores de serviços destinados a essa finalidade, e atividades educacionais (art. 17, § 1º, XLI, XLII, XLIII), haja vista, no último caso, a adequação ao ambiente remoto por parte das instituições. Ressaltamos o exposto na Resolução CES/RS nº 06/2020. Causa estranheza a ausência de muitos profissionais envolvidos na manutenção das atividades citadas como essenciais nos grupos prioritários de vacinação.

Em relação ao dever de encaminhar, imediatamente, para atendimento médico os servidores, os funcionários, os empregados, os estagiários ou os colaboradores que apresentem sintomas de contaminação pelo novo Coronavírus (Covid-19), providenciando o afastamento do trabalho, conforme determinação médica, ressalvados os casos em que haja protocolos específicos de testagem e retorno à atividade daqueles que tenham resultado negativo, conforme disposto no art. 19, ressaltamos que, diferente do disposto do parágrafo único, a medida deve estender-se aos militares e profissionais envolvidos nas atividades essenciais, impedindo o contágio de outras pessoas e garantindo o direito à vida.

Com essas considerações, o Conselho Estadual de Saúde entende que o Sistema de Avisos, Alertas e Ações é um ato ilegal e temerário e resolve:

Art. 1. Exigir a ANULAÇÃO de todos os atos administrativos que dão suporte ao Sistema de Avisos, Alertas e Ações, visto que eivados de ilegalidade, uma vez que não submetido à apreciação desta instância estadual de Controle Social do SUS, e sua consequente desatenção ao artigo 198 da Constituição Federal, Lei Federal n. 8142/90 e Art. 8° da Lei Estadual n. 10.097/94.

Art. 2. No que tange ao mérito, exigir que o Governo do Estado REVOGUE os atos administrativos que tratam do Sistema de Avisos, Alertas e Ações, haja vista a constatação de ser um 1 Para aprofundamento, ver The Challenges of Making Indoors Safe, de Dyani Lewis, e A Guideline to Limit Indoor Airborne Transmission of Covid-19, de Martin Bazant e John Bush. sistema ineficaz de combate ao avanço da pandemia, reafirmamos o necessário ISOLAMENTO SOCIAL, EPIS, TESTAGEM E AMPLA COBERTURA VACINAL PARA GARANTIR A VIDA E A SAÚDE DA POPULAÇÃO.

Art. 3. Que a SES/RS formule novo decreto, com a participação da sociedade civil, que priorize a saúde da população e a celeridade na tomada de decisões, com a assunção da responsabilidade por parte do governo do Estado.

 

Porto Alegre, 10 de junho de 2021.

 

Inara Beatriz Ruas

Vice-Presidente do CES/RS

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